quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

- Capítulo 3 -

03 de agosto, 07h

As aulas começarão dentro de uma semana. Estou ansiosa, não posso esconder, mas, ao mesmo tempo, não desejo realmente voltar a acordar cedo. Embora eu tenha acordado cedo demais hoje, por minha própria vontade.
Suspiro.
Heathcliff não chegou a contar a papai sobre Hindley. Estranhei imediatamente. Papai apenas mandou acender a lareira, jogando-se sobre a poltrona de veludo em um canto da sala, a sua predileta. Hindley estava fielmente no canto oposto, em uma cadeira que retirara da mesa de jantar na cozinha. Joseph, nosso mais antigo empregado, trouxe as chinelas de papai enquanto Nelly trazia uma xícara de café. Eu estava em um canto próximo de papai, encolhida em frente ao fogo.
– Papai. – eu disse, sorrindo, olhando-o. – Acho que meu potro precisa de uma fêmea. O senhor poderia comprar uma, na cidade. – sugeri.
Papai riu.
– Aproxima-se de mim apenas para se aproveitar. – o riso transformou-se em uma careta de desagrado. – Como meus filhos são... – olhou ao redor, interrompendo-se. – Mas onde está Heathcliff? – lançou um olhar indagador diretamente para Nelly.
Esta balançou a cabeça.
– Não sei, senhor. Deve estar em seu quarto.
– Mande chamá-lo. – papai sorriu. – Quero a família toda reunida antes do jantar.
Nelly assentiu, mandando outra empregada ir buscar o mendigo.
– E quanto a vocês? – papai virou-se para nós. – Já são amigos de Heathcliff?
Engoli em seco, e felizmente Hindley levantou-se rapidamente para responder. Não tive a obrigação de ser a primeira, então.
– Ele é um ladrão! – Hindley acusou. – Tentou roubar meu cavalo! Diga a papai, Cathy!
Virei-me para meu irmão, incrédula. Era óbvio que eu não iria me impor ao favorito do nosso pai. Óbvio!
– Ele tentou. – sussurrei fracamente. – Mas Hindley o impediu...
– Impossível. – papai assegurou, levantando-se. – Heathcliff! – olhei para a escada. Heathcliff estava parado ao lado dela, olhando-nos sem expressão. – Meu filho, você seria capaz de roubar um cavalo de um de seus irmãos?
Hindley o encarou, do outro lado da sala. Eu já estava certa de que Heathcliff negaria e, obviamente, papai acreditaria em toda e qualquer palavra sua, como nos últimos dias. Hindley não iria escapar, certamente.
– Não, não seria capaz. – Heathcliff respondeu em um sussurro, olhando-me, de repente.
Papai assentiu, compreendendo. Olhou logo em seguida para a expressão furiosa de Hindley.
– Você quer um cavalo só seu, Heathcliff? – papai perguntou, sem tirar os olhos do filho mais velho. Como Heathcliff assentisse timidamente, papai continuou, cansado. – Trarei um novo de Gimmerton amanhã. – depois voltou a se sentar em sua poltrona.
Passamos um tempo em silêncio enquanto a cozinheira não nos chamava para jantar, e o jantar foi igualmente silencioso. Subi rapidamente para o meu quarto assim que acabei, e tomei um banho quente, após toda aquela tensão. Dormi minutos depois.
Agora estou aqui, observando as nuvens aproximarem-se do Morro, e sentindo um arrepio gostoso enquanto a chuva começa a cair na Granja. É bom.

07 de agosto, 20h

Oh, desculpe ter parado de escrever, diário! Desculpe mesmo! Não imagina como tenho me divertido no final dessas férias! Não ligo mais para Hindley e seus problemas comigo e com Heathcliff! Só desejo aproveitar o resto da folga que me resta!
Háhá!
Heathcliff, afinal, não é ruim! Nada ruim! Não almejo mais ser amiga de um Linton, sei que não vale a pena! Tudo para mim mudou desde que me tornei amiga de Heathcliff! Tudo é incrível ao lado dele! Tudo, claro, menos Hindley.
Não sei como começar a descrever como Heathcliff tem me mantido ocupada nesses últimos dias. Acho que tudo começou desde o último dia em que escrevi em você, querido diário... sim, era uma sexta! Lembro-me bem... Acabava de esconder você em minha cômoda, em um compartimento secreto, claro. Alguém bateu à porta do meu quarto, e logo em seguida, ele entrou. Estava sujo de lama, e eu o encarei, os olhos arregalados.
– Ai, meu Deus! – berrei furiosa. – Você está sujo! Sai daqui!
Ele riu e me puxou para fora do quarto, sujando minha blusa.
– Ah! – ele riu novamente. – Vai dizer que nunca se sujou!
Pisquei, incrédula.
– Nunca me sujei por diversão, obrigada! – sorri irônica. – Agora, sai daqui, eu já disse!
Ele riu, puxando-me para o corredor e depois me arrastando pela escada.
– Vou te mostrar o que é diversão! – ele gargalhou e me arrastou novamente até o celeiro, onde havia, na parte de trás, uma poça imensa e funda de lama. – Lá vai! – ele gritou, me empurrando para dentro, enquanto caía ao meu lado.
Senti-me incrivelmente suja ao tocar na lama e ser coberta por ela. Era uma sensação molhada, suja, mas também, por outro lado, estranhamente divertida! Gargalhei, sujando a camisa de Heathcliff e ele sujando a minha! Ficamos assim por muito tempo, rindo, gargalhando, enquanto eu não sabia o porquê daquilo tudo!
Finalmente, paramos, cansados, e nos deitamos na grama, olhando o céu.
– Você normalmente faz isso? – perguntei, após algum tempo.
– O quê? – ele disse.
– Se sujar de lama.
– É, acho que sim. – ele riu.
– É bom. – respondi, rindo. Virei-me para ele. – Ok, por que eu nunca fiz isso antes?
– Seu pai talvez não deixe... ou você não conhecia esse novo passatempo.
– Acho que as duas opções. – voltei a deitar-me de cabeça voltada ao céu azul. A chuva havia ido embora agora. Fora passageira. Estranhei. – Você já brincava assim de onde veio?
– Não. – seu tom era mais sério. – Mas já vi outros fazerem.
– E, afinal, de onde você veio?
– Muito longe. – ele respondeu. – Não sei há quanto tempo eu estava naquela rua imunda.
– E... você realmente não conhece sua família?
– Eu não tenho uma família. – ele não parecia triste ao pronunciar aquelas palavras.
Dei de ombros, sem me importar. E daí que ele não tivesse uma família? Quantas vezes eu vira mendigos sem família pela TV?
– Não se sente ruim com isso, então.
Ele assentiu, os olhos fechados.
– Nunca vai conhecer seu pai, sua mãe...
– Parece que não.
Eu assenti, compreendendo. Talvez não quisesse falar sobre isso. Mas era tão enigmático! Eu tinha que perguntar!
– Ei, escute. – virei-me para ele novamente. Ele fez o mesmo para mim. – Por que você não incriminou Hindley? Por que não contou que ele o maltrara ontem?
Deu de ombros.
– Não valia a pena. – sorriu. – E é melhor que ele faça algo assim logo. É capaz de explodir.
Eu ri.
– E quando ele te maltratar mais?
– Eu me livro dele. – ele piscou para mim, cúmplice.
Gargalhei novamente, em tom de deboche. Heathcliff não pareceu notar.
– Escute. – eu disse novamente. – Você gosta daqui?
– É... gosto.
– Vai ficar aqui, então?
– Algum problema? – virou-se para mim.
– Não. – sorri. – Absolutamente.
Ele riu.
– Você fala de um jeito estranho. – comentou. – “Absolutamente”, blábláblá.
– E você fala igual a um mendigo. – retruquei, divertindo-me ao ver sua careta.
– Pelo menos não sou uma riquinha chata.
– Pelo menos eu não sou um mendigo. – sorri.
Ele rolou os olhos.
– Pelo menos não somos o Hindley. – ele apontou com um aceno de cabeça meu irmão, gingando de cara amarrada até o cavalo. Assim que nos olhou juntos, deixou cair sua caixa de ferramentas, perdendo várias peças no chão. Fez uma careta de ira e chutou um prego. Mordeu os lábios reprimindo o grito de dor.
Heathcliff gargalhou alto, divertido, e se levantou, correndo para a cerca do gramado. Corri atrás dele, e nos escondemos em uma moita.
– O que estamos fazendo aqui? – perguntei, divertida.
– Você está aqui como intrusa. – ele acusou, brincalhão. – Mas é melhor ter uma dama frágil do que ser um soldado solitário.
– Que triste. – gargalhei. – Mas não sou uma dama frágil!
– Nunca falei de você. – ele piscou, e eu ri novamente. – Nem de mim, muito menos.
Não tenho mais tempo para descrever o resto da tarde, o que para mim foi um dos meus dias preferidos até agora. Heathcliff é incrível, e sinto que realmente nos daremos bem, de agora em diante!
Ele agora está jogando pedras pequenas em minha janela trancada. Aceno para ele, avisando que já vou descer. Com certeza será algo divertido.
Falo sério, diário, nunca me diverti tanto em toda a minha vida! Não acho que encontrarei maior diversão em qualquer outro lugar!

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

- Capítulo 2 -

29 de julho, 13h

Papai estava jogado em uma poltrona no canto da sala, cansado, um tipo de xale sobre os ombros dele. Estava sujo. Senti nojo de tocá-lo quando ele me pediu um abraço. Hindley também hesitou, mas o abraçou fracamente. Nelly empurrou-me para papai, eu o toquei fracamente, antes de me afastar para um canto da sala.
Papai sorriu.
– Onde está meu chicote, papai? – exigi ao notar que ele parecia querer cair no sono. Aproximei-me hesitante.
Hindley, outrora sentado em uma cadeira próxima à poltrona de papai, levantou-se rapidamente.
– E a minha rabeca. – exigiu, também.
Papai assentiu, um meio sorriso satisfeito no rosto, e pôs uma mão no bolso, vasculhando-o. Tirou de lá pedaços do que uma vez fora uma rabeca. Entregou-a a Hindley. Este fez uma careta decepcionada, dando-me uma insaciável vontade de rir. Controlei o riso, ele me olhou, estreitando os olhos, com raiva.
– E o seu chicote... – papai tirou um pedaço de pau acabado, o que era a armação do chicote. O resto se perdera.
Fiz um bico zangado, prestes a chorar. Sempre funcionara, por que não agora? Mas papai não ligou, continuou sorrindo, e se levantou, indo até a porta.
– Mas tenho outra surpresa para vocês. – ele disse, girando a maçaneta da porta. – Está no carro.
Animei-me, mas Hindley estreitou os olhos, desconfiado. Ignorei-o e corri até o carro, logo na frente de papai. Abri a porta traseira, alegre...
... e me saiu um garoto, mais ou menos da minha altura, sujo, roupas de mendigo, feio. Parecia não ter tomado banho há anos.
Fiz uma expressão de nojo.
– Eca. – gemi correndo até Nelly, atrás de papai.
Papai riu, me ignorando. Hindley se aproximou hesitante, chutou o garoto. Este gemeu, eu ri alto. Tão feio e nojento... por que papai o trouxe?
– Hindley! – papai empurrou meu irmão, e eu abafei outra gargalhada. Nunca vejo tanta diversão assim.
Papai virou-se para o garoto, colocou-o no colo e começou a andar de volta para casa. Nós o seguimos, hesitantes. Hindley estava de cara amarrada, eu o ignorei.
Papai sentou o menino na poltrona onde ele mesmo estava sentado. Virou-se para nós.
– Estes são seus novos irmãos. – ele disse, sorridente, ao garoto. – Seu novo irmão, Hindley. – apontou Hindley, em um canto da sala, uma careta no rosto. – E esta sua nova irmã, Catherine. – apontou para mim, mais próxima dos dois.
Pisquei, confusa. Este mendigo será o meu novo irmão?!
– Hm, Sr. Earnshaw... – Nelly se aproximou hesitante. Seu olhar para o garoto também era enojado. – O senhor não acha que é meio... precipitado adotar um garoto que o senhor encontrou na rua?
Papai fez uma careta de desagrado.
– O quê?! – ele exclamou. – Ora, Helena, encontrei-o morrendo de fome e miséria nas ruas de Liverpool... não poderia deixá-lo lá! – olhou-o. – Perguntei-lhe onde estava sua família. Ele não tem. Nem nome.
Entreolhamos-nos apreensivos.
– Acabo de dar-lhe um nome. – papai continuou. – Heathcliff. Apenas Heathcliff.
– Heathcliff Earnshaw? – Nelly perguntou.
– Não. Só Heathcliff.
Estou deitada, agora, na cama do meu quarto. Papai perguntou-me se eu poderia querer uma companhia durante a noite. Fiz uma careta, recusando. Aquele mendigo, Heathcliff, nunca iria sequer conseguir uma palavra minha. Nunca.
Levanto a cabeça para olhar através da janela. Os Linton estão brincando lá fora. Parece cada vez mais divertido. Suspiro. Nunca poderiam me deixar ir, ainda mais agora, quando eu tinha um novo irmão.
Nelly também não gosta dele. Hindley também não, obviamente. Apenas papai está satisfeito com ele aqui.
Sinto que, talvez, Hindley e eu, concordando finalmente com algo, possamos nos tornar mais unidos. Apenas um talvez quase sem esperanças. Irei apenas aguardar. Logo saberei, tenho certeza.

31 de julho, 12h30

Acabo de almoçar. Tive a infelicidade de encontrar Heathcliff, o mendigo, sentado à mesa da cozinha, como se fosse da família. Sentei-me de frente para ele, a atenção quase completamente voltada à comida na minha frente.
O mendigo não disse nada durante toda a meia hora em que passamos lá, no mesmo cômodo. Umas duas empregadas lavavam a louça na outra cozinha, eu me satisfazia ouvindo o barulho da água da torneira caindo.
Hindley entrou no cômodo logo antes que eu terminasse o prato. Maltratou Heathcliff com palavras grosseiras e beliscões no braço. Queria irritar o mendigo. Estranhamente, não me diverti assistindo àquilo.
Saí logo depois, subindo até o meu quarto.
Hindley e eu não nos aproximamos, como pensei que acontecesse. Ele não parece mais distante, porém. Parece o mesmo. Mas não me importo. Ainda troco algumas palavras com ele quando nos encontramos. Normalmente ele dá avisos sobre como está o mendigo. Nada de mais. Ignoro-o na maioria das vezes.
Não consigo mais ver os Linton do meu quarto. Vou parar de assistir a cada movimento deles. Perda de tempo.

1º de agosto, 10h

Comecei a assistir os passos de Heathcliff. Tornou-se interessante, após alguns minutos. Estou sentada nos últimos degraus da escada, observando-o na grama através da janela da sala. Ele se levantou, e agora olha fixamente para cá. Sinto um arrepio e sorrio levemente.
Perdi-o de vista. Onde ele se meteu?


Heathcliff apareceu por trás de mim, naquela hora. Arrancou-me o diário das mãos e correu pelo corredor, rindo, divertido, sacudindo o diário sobre a cabeça. Olhei-o com raiva e corri atrás até o último quarto do corredor. Ele conseguiu abrir a porta que eu achava estar trancada. Trancou-me por fora, vociferei e bati na porta, furiosa. Quem ele pensa que é?!, pensei enfurecida.
Ele abriu a porta de uma vez, fazendo-me cair para dentro. Levantei a cabeça, ajeitando-me no chão. Ele sorria marotamente, mas me entregou o diário, o mesmo sorriso irritante no rosto.
– O que você fez?! – gritei com ele, mais enfurecida ainda.
Ele riu abertamente, caindo para trás.
– Achei que você nunca iria dirigir uma palavra a mim, vossa alteza. – ele zombou, divertido com a minha raiva.
Levantei-me, querendo sair do quarto, mas ele me segurou pelo braço, obrigando-me a ficar.
Chutei-o na perna e saí do quarto, correndo de volta para o meu. Eu precisava ver o que ele havia feito com o diário.
Mas ele não havia feito nada. Aparentemente havia apenas lido. Por enquanto, é melhor me manter longe dele. Não será bom correr o risco de ele me enfurecer novamente. Não contarei a Hindley, por ora. Só em casos piores. Bem piores.

02 de agosto, 18h

Encontrei o mendigo no celeiro esta tarde. Ele não almoçou conosco, estranhei. Ele provavelmente passara a tarde lá, mexendo nos cavalos. Aproximei-me lentamente ao vê-lo mexer em meu potro. Corri até lá, tirando suas mãos sujas da bela crina do cavalo.
– Não mexa nele de novo, entendeu? – gritei com ele, enfurecida novamente. – Entendeu?
Ele apenas assentiu, a expressão magoada. Abaixei a cabeça para ele.
– O que houve? – perguntei.
– Nada. – ele afastou minhas mãos e correu para um canto. Começou a mexer em outro cavalo. Minha curiosidade falou alto, nessa hora.
– Qual o seu verdadeiro nome? – perguntei, aproximando-me.
– Não tenho. – ele foi curto e grosso. Fiz uma careta.
– Todos têm que ter um nome. – retruquei.
– Mas eu não tenho. – ele respondeu, ainda mais grosso.
– E a sua família? – zombei. – Não sentirão sua falta?
– Não. Sequer os conheço.
– Que bom. – respondi, entretida na crina do meu potro. – Pelo menos não foi o culpado pela morte da mãe. Ou não tem um irmão que o odeia ferozmente. Ou não tem um pai ausente que só liga para o “novo filho”. – revirei os olhos, aborrecida.
Heahcliff riu, virando-se para mim.
– Quer dizer que não gosta da sua família! – ele riu novamente, um riso sem humor.
Nunca iria poder gostar. – sorri irônica.
– Ótimo para você! – ele se virou para o cavalo em que mexia. Era o de Hindley.
Abri a boca para avisá-lo sobre o ciúme de Hindley para com o cavalo, mas a fechei no mesmo instante. Não valia a pena avisá-lo. Talvez fosse até melhor ter um pouco mais de diversão. Enganei-me imensamente.
Hindley, por azar, passava por ali naquela hora, para ir até Gimmerton buscar alguma encomenda sua, para a escola. Correu até Heathcliff, furioso, ao vê-lo tocar em seu precioso cavalo.
A cena a seguir não tive coragem de ver. Segundos depois, vi Heathcliff gemendo de dor no chão, sangrando. Tive o curioso impulso de ir até ele, socorrê-lo, mas ele mesmo se levantou rapidamente, lançando um olhar de ódio para meu irmão, que teve o imenso prazer de ignorar. Olhou-me sem expressão e voltou para a casa, sem dizer mais nada.
Hindley saiu logo depois, a expressão satisfeita, enquanto eu voltava para o meu quarto. Vi Nelly aproximar-se de Heathcliff na cozinha, hesitando em tocá-lo e depois afastar-se do mendigo, como se não tivesse visto nada.
Não pude deixar de sorrir.
Agora estou aqui, em meu quarto, esperando papai chegar para ver a cena que ele fará quando Heathcliff contar-lhe o que aconteceu. Espero que Hindley não saia muito ferido da surra que irá levar dentro de alguns minutos. Não sei o que esperar, na verdade. Apenas esperarei ansiosa, como sempre.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

– Capítulo 1 –

22 de julho, 13h

Acabei de me levantar. Acho que as férias me causam esse efeito: acordar tarde, sentindo o sol da uma hora da tarde bater no meu rosto, como se estivesse grudando na pele. É horrível. Odeio essa sensação.
Papai e Hindley estão almoçando lá embaixo. O carro de papai ainda está na garagem, então parece que ele ainda não saiu.
Abro a porta do meu quarto e desço rapidamente, correndo, sorrindo. Ainda estou de camisola, mas não me importo. É domingo, os empregados do Morro não trabalham hoje. Apenas uma, quase da família: Helena.
Sorrio ao lembrar dela. Eu a adoro. É incrível. Ela é como uma segunda mãe para mim.
– Cathy! – ela exclama, olhando-me do outro lado do corredor, espantada. Estava a caminho da cozinha, como eu. – Por favor, vá se arrumar para o almoço. O Sr. Earnshaw e Hindley já estão quase terminando. Vá!
Faço uma careta. Ótimo, seria melhor passar fome.
Corro de volta para o quarto, apressada. Nunca desobedeço as ordens de Helena. Ela, além de uma mãe, é minha melhor amiga. Não há vizinhança por parte alguma do terreno de papai. A única casa próxima à nossa também é uma mansão: a Granja de Thrusscross também é de nossa família. Papai alugou-a a um homem que dizem ser respeitável pela cidade. Sr. Linton. Não sei seu primeiro nome, ninguém o chama informalmente. É estranho. Chego a me perguntar se me chamarão só pelo sobrenome quando me casar. Seria horrível.
Triste.
Suspiro enquanto abro a porta do quarto.
O Sr. Linton tem filhos, também. Edward, de uns dez anos, um ano mais velho do que eu, e Isabella, de sete anos, dois a menos que eu. Acho que são só eles.
Posso observá-los brincar, porém, da janela do meu quarto. Lá no começo do morro, umas duas milhas daqui. É tentador descer até lá e me apresentar, brincar, também. Ninguém pode me acompanhar, porém.
Procuro um short no armário. Todos são feios, nossa. Credo.
Acho que Hindley é o pior irmão do mundo. Não fala comigo, quase. É horrível, realmente. Hindley tem quinze anos. No auge da adolescência, parece me odiar profundamente. Matei nossa mãe. Matei nossa mãe logo após eu nascer. Eu a matei, e Hindley parece querer o mesmo destino para mim, desde sempre.
Suspiro, vestindo uma camiseta com um short jeans antigo, velho, rasgado. Sinto-me confortável, pelo menos.
Às vezes, desejo que mamãe que não tivesse morrido. Ou que Hindley não me odiasse por isso. Talvez pudéssemos ser mais unidos se não fosse isso. Talvez... ou este é o verdadeiro Hindley, meu irmão, seis anos mais velho do que eu.
– Cathy! – Helena grita lá de baixo.
Suspiro e corro pelas escadas, mexendo nos cabelos negros enrolados.
– Oi. – respondo sorrindo.
Helena sorri em resposta e lança um olhar para a cozinha, vazia.
– Eles terminaram ainda há pouco, seu pai não pôde esperá-la. – Helena se desculpa enquanto vou até a cozinha, e sento-me na mesa, encarando as sobras do almoço.
– Tudo bem. – forço um sorriso. – O almoço nunca é animado nesta casa. Não faz diferença se apareço ou não. Embora pareça que eu sou a única alma feliz aqui. Eles não me merecem. Ou assim me convenço. – lanço um olhar para a comida enquanto Helena me serve. – Sabe, Nelly...
Ele assentiu, olhando-me.
– Ainda vou embora daqui. – sorri. – Sim, eu vou embora, e vou levar você comigo. Você não merece ficar aqui com eles. Eles não nos merecem. Devem ficar sozinhos para sempre. – mexi no almoço.
Nelly sorriu.
– Ainda é tão nova para pensar nisso... – ela disse, sorrindo como se não acreditasse que o que eu falava era sério.
Ri baixinho.
– Ainda vai ver. – prometi, começando a comer.


O Morro dos Ventos Uivantes. Este é o nome da nossa casa.
Nunca considerei este nome. É tão feio... não gosto.
Moramos no alto de um morro, em uma mansão imensa, de vários quartos – muitos os quais sou proibida de entrar.
Dizem que “Ventos Uivantes” é por causa dos ventos fortes das noites de todo o ano, tão fortes capazes de derrubar a mansão, que seria derrubada não fossem as pedras salientes equilibrando os cantos da casa.
Agora estou sentada na beirada da janela, escrevendo aqui. Escrevo como Catherine Earnshaw, naturalmente. Olho para fora, pelo vidro da janela, desejando destravar os postigos para sentir o vento vespertino.
Observo Edward e Isabella saírem de casa, indo para o jardim. Começam a brincar de pega-pega por lá, sinto uma incontrolável vontade de roubar um cavalo do Morro e descer até lá. Não demoraria muito com um cavalo novo. Já sei montar. Mas Helena levaria a culpa pelo meu sumiço, e se meu pai e meu irmão não a merecem, eu passaria a também não merecê-la se fizesse isso.
Faço uma careta para o sol. Ele começa a incomodar, refletindo no vidro da janela. Horrível.
Alguém bate à porta. Levanto-me, guardando o diário debaixo do travesseiro. É apenas Nelly, sorrindo levemente para mim.
– O que foi? – pergunto curiosa.
– Seu pai está chamando você e Hindley. – ela avisa.
Assinto sorrindo e ela fecha a porta.
Agora vou descer, mesmo sem vontade. Papai sempre tem más notícias quando nos chama ao mesmo tempo, lá embaixo.
Faço uma careta.


Papai irá viajar. Ok, não há problemas. Passará uma semana em Liverpool, e acabou de sair. Estou observando-o pegar o carro e descer a estrada até o começo do morro, onde a estrada para a cidade de Gimmerton começa. Voltará dentro de uma semana.
– Posso trazer o que quiserem. – ele disse, sorrindo carinhosamente.
Sorri. Agora sim seria bom esperar.
– Quero algo só meu. – avisei, antes que Hindley pudesse sequer abrir a boca. – Já tenho um potro, que o senhor me deu há alguns meses... Quero um chicote. – sorri. – Assim não precisarei pedir o de Hindley emprestado. – lancei um olhar chateado para Hindley. – E ver meu pedido negado. – murmurei para mim mesma, sem que os outros escutassem.
Papai assentiu, com vontade. Ele adorava trazer presentes; isso era bom.
– Quero uma rabeca. – Hindley exigiu logo depois que terminei de falar. – Nenhum violão, nem teclado, nem flauta. Rabeca. – ele insistiu.
Revirei os olhos.
– É claro. – papai consentiu, o mesmo sorriso carinhoso e satisfeito. Virou-se para Nelly. – E você, Helena? Gosta de frutas, não?
Nelly assentiu, sorrindo levemente.
– Frutas seria ótimo, senhor. – ela disse educadamente. – Muito obrigada.
Nelly tem uns dezessete anos, então estranhei que ela pedisse frutas. Mas deixei passar. Papai saía enquanto eu corria de volta para o meu quarto, após abraçá-lo brevemente.
O carro dele agora está invisível depois de ter se distanciado pela estrada. Pouco me importa, por enquanto. Não fará diferença enquanto ele estiver fora, eu acho.
Suspiro. Isabella e Edward agora estão olhando para cá. Não adiantará acenar para eles – é impossível me olharem. Eles riem juntos e correm de volta para casa, rapidamente.
Suspiro pela última vez. Vou tentar me entreter com outra coisa agora... Quem sabe, ler novamente algum romance. Jane Austen, quem sabe...


29 de julho, 7h

Papai acaba de chegar em casa. Vi seu carro aproximando-se da entrada do Morro. Acho que vi outra cabeça pela janela, no banco de trás. Foi estranho.
Nelly está me chamando para descer. Avisei-a que já estou indo. E vou mesmo.
Pego fôlego e escondo o diário antes de descer.



Glossário:

Pedras salientes: pedras pontiagudas.
Potro: filhote de cavalo.
Rabeca: instrumento semelhante a um violino.
Jane Austen: famosa escritora britânica do século XVIII.

Prólogo

– Prólogo –

18 de fevereiro, 21h

Ando me perguntando o que fiz de errado. O que fiz de errado, afinal? Dizem que suspiros dão sinais de tristeza profunda, por parte de alguém que não quer que descubram seu estado de tristeza. Pois bem, ando suspirando muito.
Estou sozinha em casa, agora. Hindley ainda não voltou do trabalho, posso observar o casarão de Edward daqui. Isabella deve estar me observando pelas janelas do terceiro andar. Sinto um arrepio.
Heath não liga há dias. Estou com medo. Sinto-me perdida. O que fazer quando quem você ama está longe, e pensa em te odiar para sempre?

Introdução

Bom, é realmente a primeira vez que eu faço um blog para um conto meu e, realmente, é ÓTIMO fazer isso ^^
Espero que gostem de tudo, a história é de amor, mas não é proibida para menores de 18 anos, então... bom, tomara que gostem, de qualquer forma XD
Na próxima postagem eu vou colocar o prólogo e não vai demorar muito...
Lembrando: a história é em forma de diário e algumas vezes são cartas, mas não é do século retrasado ou passado, relaxem XD
Bom, lá vai, e muitíssimo obrigada :D