quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

- Capítulo 3 -

03 de agosto, 07h

As aulas começarão dentro de uma semana. Estou ansiosa, não posso esconder, mas, ao mesmo tempo, não desejo realmente voltar a acordar cedo. Embora eu tenha acordado cedo demais hoje, por minha própria vontade.
Suspiro.
Heathcliff não chegou a contar a papai sobre Hindley. Estranhei imediatamente. Papai apenas mandou acender a lareira, jogando-se sobre a poltrona de veludo em um canto da sala, a sua predileta. Hindley estava fielmente no canto oposto, em uma cadeira que retirara da mesa de jantar na cozinha. Joseph, nosso mais antigo empregado, trouxe as chinelas de papai enquanto Nelly trazia uma xícara de café. Eu estava em um canto próximo de papai, encolhida em frente ao fogo.
– Papai. – eu disse, sorrindo, olhando-o. – Acho que meu potro precisa de uma fêmea. O senhor poderia comprar uma, na cidade. – sugeri.
Papai riu.
– Aproxima-se de mim apenas para se aproveitar. – o riso transformou-se em uma careta de desagrado. – Como meus filhos são... – olhou ao redor, interrompendo-se. – Mas onde está Heathcliff? – lançou um olhar indagador diretamente para Nelly.
Esta balançou a cabeça.
– Não sei, senhor. Deve estar em seu quarto.
– Mande chamá-lo. – papai sorriu. – Quero a família toda reunida antes do jantar.
Nelly assentiu, mandando outra empregada ir buscar o mendigo.
– E quanto a vocês? – papai virou-se para nós. – Já são amigos de Heathcliff?
Engoli em seco, e felizmente Hindley levantou-se rapidamente para responder. Não tive a obrigação de ser a primeira, então.
– Ele é um ladrão! – Hindley acusou. – Tentou roubar meu cavalo! Diga a papai, Cathy!
Virei-me para meu irmão, incrédula. Era óbvio que eu não iria me impor ao favorito do nosso pai. Óbvio!
– Ele tentou. – sussurrei fracamente. – Mas Hindley o impediu...
– Impossível. – papai assegurou, levantando-se. – Heathcliff! – olhei para a escada. Heathcliff estava parado ao lado dela, olhando-nos sem expressão. – Meu filho, você seria capaz de roubar um cavalo de um de seus irmãos?
Hindley o encarou, do outro lado da sala. Eu já estava certa de que Heathcliff negaria e, obviamente, papai acreditaria em toda e qualquer palavra sua, como nos últimos dias. Hindley não iria escapar, certamente.
– Não, não seria capaz. – Heathcliff respondeu em um sussurro, olhando-me, de repente.
Papai assentiu, compreendendo. Olhou logo em seguida para a expressão furiosa de Hindley.
– Você quer um cavalo só seu, Heathcliff? – papai perguntou, sem tirar os olhos do filho mais velho. Como Heathcliff assentisse timidamente, papai continuou, cansado. – Trarei um novo de Gimmerton amanhã. – depois voltou a se sentar em sua poltrona.
Passamos um tempo em silêncio enquanto a cozinheira não nos chamava para jantar, e o jantar foi igualmente silencioso. Subi rapidamente para o meu quarto assim que acabei, e tomei um banho quente, após toda aquela tensão. Dormi minutos depois.
Agora estou aqui, observando as nuvens aproximarem-se do Morro, e sentindo um arrepio gostoso enquanto a chuva começa a cair na Granja. É bom.

07 de agosto, 20h

Oh, desculpe ter parado de escrever, diário! Desculpe mesmo! Não imagina como tenho me divertido no final dessas férias! Não ligo mais para Hindley e seus problemas comigo e com Heathcliff! Só desejo aproveitar o resto da folga que me resta!
Háhá!
Heathcliff, afinal, não é ruim! Nada ruim! Não almejo mais ser amiga de um Linton, sei que não vale a pena! Tudo para mim mudou desde que me tornei amiga de Heathcliff! Tudo é incrível ao lado dele! Tudo, claro, menos Hindley.
Não sei como começar a descrever como Heathcliff tem me mantido ocupada nesses últimos dias. Acho que tudo começou desde o último dia em que escrevi em você, querido diário... sim, era uma sexta! Lembro-me bem... Acabava de esconder você em minha cômoda, em um compartimento secreto, claro. Alguém bateu à porta do meu quarto, e logo em seguida, ele entrou. Estava sujo de lama, e eu o encarei, os olhos arregalados.
– Ai, meu Deus! – berrei furiosa. – Você está sujo! Sai daqui!
Ele riu e me puxou para fora do quarto, sujando minha blusa.
– Ah! – ele riu novamente. – Vai dizer que nunca se sujou!
Pisquei, incrédula.
– Nunca me sujei por diversão, obrigada! – sorri irônica. – Agora, sai daqui, eu já disse!
Ele riu, puxando-me para o corredor e depois me arrastando pela escada.
– Vou te mostrar o que é diversão! – ele gargalhou e me arrastou novamente até o celeiro, onde havia, na parte de trás, uma poça imensa e funda de lama. – Lá vai! – ele gritou, me empurrando para dentro, enquanto caía ao meu lado.
Senti-me incrivelmente suja ao tocar na lama e ser coberta por ela. Era uma sensação molhada, suja, mas também, por outro lado, estranhamente divertida! Gargalhei, sujando a camisa de Heathcliff e ele sujando a minha! Ficamos assim por muito tempo, rindo, gargalhando, enquanto eu não sabia o porquê daquilo tudo!
Finalmente, paramos, cansados, e nos deitamos na grama, olhando o céu.
– Você normalmente faz isso? – perguntei, após algum tempo.
– O quê? – ele disse.
– Se sujar de lama.
– É, acho que sim. – ele riu.
– É bom. – respondi, rindo. Virei-me para ele. – Ok, por que eu nunca fiz isso antes?
– Seu pai talvez não deixe... ou você não conhecia esse novo passatempo.
– Acho que as duas opções. – voltei a deitar-me de cabeça voltada ao céu azul. A chuva havia ido embora agora. Fora passageira. Estranhei. – Você já brincava assim de onde veio?
– Não. – seu tom era mais sério. – Mas já vi outros fazerem.
– E, afinal, de onde você veio?
– Muito longe. – ele respondeu. – Não sei há quanto tempo eu estava naquela rua imunda.
– E... você realmente não conhece sua família?
– Eu não tenho uma família. – ele não parecia triste ao pronunciar aquelas palavras.
Dei de ombros, sem me importar. E daí que ele não tivesse uma família? Quantas vezes eu vira mendigos sem família pela TV?
– Não se sente ruim com isso, então.
Ele assentiu, os olhos fechados.
– Nunca vai conhecer seu pai, sua mãe...
– Parece que não.
Eu assenti, compreendendo. Talvez não quisesse falar sobre isso. Mas era tão enigmático! Eu tinha que perguntar!
– Ei, escute. – virei-me para ele novamente. Ele fez o mesmo para mim. – Por que você não incriminou Hindley? Por que não contou que ele o maltrara ontem?
Deu de ombros.
– Não valia a pena. – sorriu. – E é melhor que ele faça algo assim logo. É capaz de explodir.
Eu ri.
– E quando ele te maltratar mais?
– Eu me livro dele. – ele piscou para mim, cúmplice.
Gargalhei novamente, em tom de deboche. Heathcliff não pareceu notar.
– Escute. – eu disse novamente. – Você gosta daqui?
– É... gosto.
– Vai ficar aqui, então?
– Algum problema? – virou-se para mim.
– Não. – sorri. – Absolutamente.
Ele riu.
– Você fala de um jeito estranho. – comentou. – “Absolutamente”, blábláblá.
– E você fala igual a um mendigo. – retruquei, divertindo-me ao ver sua careta.
– Pelo menos não sou uma riquinha chata.
– Pelo menos eu não sou um mendigo. – sorri.
Ele rolou os olhos.
– Pelo menos não somos o Hindley. – ele apontou com um aceno de cabeça meu irmão, gingando de cara amarrada até o cavalo. Assim que nos olhou juntos, deixou cair sua caixa de ferramentas, perdendo várias peças no chão. Fez uma careta de ira e chutou um prego. Mordeu os lábios reprimindo o grito de dor.
Heathcliff gargalhou alto, divertido, e se levantou, correndo para a cerca do gramado. Corri atrás dele, e nos escondemos em uma moita.
– O que estamos fazendo aqui? – perguntei, divertida.
– Você está aqui como intrusa. – ele acusou, brincalhão. – Mas é melhor ter uma dama frágil do que ser um soldado solitário.
– Que triste. – gargalhei. – Mas não sou uma dama frágil!
– Nunca falei de você. – ele piscou, e eu ri novamente. – Nem de mim, muito menos.
Não tenho mais tempo para descrever o resto da tarde, o que para mim foi um dos meus dias preferidos até agora. Heathcliff é incrível, e sinto que realmente nos daremos bem, de agora em diante!
Ele agora está jogando pedras pequenas em minha janela trancada. Aceno para ele, avisando que já vou descer. Com certeza será algo divertido.
Falo sério, diário, nunca me diverti tanto em toda a minha vida! Não acho que encontrarei maior diversão em qualquer outro lugar!

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