terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

– Capítulo 1 –

22 de julho, 13h

Acabei de me levantar. Acho que as férias me causam esse efeito: acordar tarde, sentindo o sol da uma hora da tarde bater no meu rosto, como se estivesse grudando na pele. É horrível. Odeio essa sensação.
Papai e Hindley estão almoçando lá embaixo. O carro de papai ainda está na garagem, então parece que ele ainda não saiu.
Abro a porta do meu quarto e desço rapidamente, correndo, sorrindo. Ainda estou de camisola, mas não me importo. É domingo, os empregados do Morro não trabalham hoje. Apenas uma, quase da família: Helena.
Sorrio ao lembrar dela. Eu a adoro. É incrível. Ela é como uma segunda mãe para mim.
– Cathy! – ela exclama, olhando-me do outro lado do corredor, espantada. Estava a caminho da cozinha, como eu. – Por favor, vá se arrumar para o almoço. O Sr. Earnshaw e Hindley já estão quase terminando. Vá!
Faço uma careta. Ótimo, seria melhor passar fome.
Corro de volta para o quarto, apressada. Nunca desobedeço as ordens de Helena. Ela, além de uma mãe, é minha melhor amiga. Não há vizinhança por parte alguma do terreno de papai. A única casa próxima à nossa também é uma mansão: a Granja de Thrusscross também é de nossa família. Papai alugou-a a um homem que dizem ser respeitável pela cidade. Sr. Linton. Não sei seu primeiro nome, ninguém o chama informalmente. É estranho. Chego a me perguntar se me chamarão só pelo sobrenome quando me casar. Seria horrível.
Triste.
Suspiro enquanto abro a porta do quarto.
O Sr. Linton tem filhos, também. Edward, de uns dez anos, um ano mais velho do que eu, e Isabella, de sete anos, dois a menos que eu. Acho que são só eles.
Posso observá-los brincar, porém, da janela do meu quarto. Lá no começo do morro, umas duas milhas daqui. É tentador descer até lá e me apresentar, brincar, também. Ninguém pode me acompanhar, porém.
Procuro um short no armário. Todos são feios, nossa. Credo.
Acho que Hindley é o pior irmão do mundo. Não fala comigo, quase. É horrível, realmente. Hindley tem quinze anos. No auge da adolescência, parece me odiar profundamente. Matei nossa mãe. Matei nossa mãe logo após eu nascer. Eu a matei, e Hindley parece querer o mesmo destino para mim, desde sempre.
Suspiro, vestindo uma camiseta com um short jeans antigo, velho, rasgado. Sinto-me confortável, pelo menos.
Às vezes, desejo que mamãe que não tivesse morrido. Ou que Hindley não me odiasse por isso. Talvez pudéssemos ser mais unidos se não fosse isso. Talvez... ou este é o verdadeiro Hindley, meu irmão, seis anos mais velho do que eu.
– Cathy! – Helena grita lá de baixo.
Suspiro e corro pelas escadas, mexendo nos cabelos negros enrolados.
– Oi. – respondo sorrindo.
Helena sorri em resposta e lança um olhar para a cozinha, vazia.
– Eles terminaram ainda há pouco, seu pai não pôde esperá-la. – Helena se desculpa enquanto vou até a cozinha, e sento-me na mesa, encarando as sobras do almoço.
– Tudo bem. – forço um sorriso. – O almoço nunca é animado nesta casa. Não faz diferença se apareço ou não. Embora pareça que eu sou a única alma feliz aqui. Eles não me merecem. Ou assim me convenço. – lanço um olhar para a comida enquanto Helena me serve. – Sabe, Nelly...
Ele assentiu, olhando-me.
– Ainda vou embora daqui. – sorri. – Sim, eu vou embora, e vou levar você comigo. Você não merece ficar aqui com eles. Eles não nos merecem. Devem ficar sozinhos para sempre. – mexi no almoço.
Nelly sorriu.
– Ainda é tão nova para pensar nisso... – ela disse, sorrindo como se não acreditasse que o que eu falava era sério.
Ri baixinho.
– Ainda vai ver. – prometi, começando a comer.


O Morro dos Ventos Uivantes. Este é o nome da nossa casa.
Nunca considerei este nome. É tão feio... não gosto.
Moramos no alto de um morro, em uma mansão imensa, de vários quartos – muitos os quais sou proibida de entrar.
Dizem que “Ventos Uivantes” é por causa dos ventos fortes das noites de todo o ano, tão fortes capazes de derrubar a mansão, que seria derrubada não fossem as pedras salientes equilibrando os cantos da casa.
Agora estou sentada na beirada da janela, escrevendo aqui. Escrevo como Catherine Earnshaw, naturalmente. Olho para fora, pelo vidro da janela, desejando destravar os postigos para sentir o vento vespertino.
Observo Edward e Isabella saírem de casa, indo para o jardim. Começam a brincar de pega-pega por lá, sinto uma incontrolável vontade de roubar um cavalo do Morro e descer até lá. Não demoraria muito com um cavalo novo. Já sei montar. Mas Helena levaria a culpa pelo meu sumiço, e se meu pai e meu irmão não a merecem, eu passaria a também não merecê-la se fizesse isso.
Faço uma careta para o sol. Ele começa a incomodar, refletindo no vidro da janela. Horrível.
Alguém bate à porta. Levanto-me, guardando o diário debaixo do travesseiro. É apenas Nelly, sorrindo levemente para mim.
– O que foi? – pergunto curiosa.
– Seu pai está chamando você e Hindley. – ela avisa.
Assinto sorrindo e ela fecha a porta.
Agora vou descer, mesmo sem vontade. Papai sempre tem más notícias quando nos chama ao mesmo tempo, lá embaixo.
Faço uma careta.


Papai irá viajar. Ok, não há problemas. Passará uma semana em Liverpool, e acabou de sair. Estou observando-o pegar o carro e descer a estrada até o começo do morro, onde a estrada para a cidade de Gimmerton começa. Voltará dentro de uma semana.
– Posso trazer o que quiserem. – ele disse, sorrindo carinhosamente.
Sorri. Agora sim seria bom esperar.
– Quero algo só meu. – avisei, antes que Hindley pudesse sequer abrir a boca. – Já tenho um potro, que o senhor me deu há alguns meses... Quero um chicote. – sorri. – Assim não precisarei pedir o de Hindley emprestado. – lancei um olhar chateado para Hindley. – E ver meu pedido negado. – murmurei para mim mesma, sem que os outros escutassem.
Papai assentiu, com vontade. Ele adorava trazer presentes; isso era bom.
– Quero uma rabeca. – Hindley exigiu logo depois que terminei de falar. – Nenhum violão, nem teclado, nem flauta. Rabeca. – ele insistiu.
Revirei os olhos.
– É claro. – papai consentiu, o mesmo sorriso carinhoso e satisfeito. Virou-se para Nelly. – E você, Helena? Gosta de frutas, não?
Nelly assentiu, sorrindo levemente.
– Frutas seria ótimo, senhor. – ela disse educadamente. – Muito obrigada.
Nelly tem uns dezessete anos, então estranhei que ela pedisse frutas. Mas deixei passar. Papai saía enquanto eu corria de volta para o meu quarto, após abraçá-lo brevemente.
O carro dele agora está invisível depois de ter se distanciado pela estrada. Pouco me importa, por enquanto. Não fará diferença enquanto ele estiver fora, eu acho.
Suspiro. Isabella e Edward agora estão olhando para cá. Não adiantará acenar para eles – é impossível me olharem. Eles riem juntos e correm de volta para casa, rapidamente.
Suspiro pela última vez. Vou tentar me entreter com outra coisa agora... Quem sabe, ler novamente algum romance. Jane Austen, quem sabe...


29 de julho, 7h

Papai acaba de chegar em casa. Vi seu carro aproximando-se da entrada do Morro. Acho que vi outra cabeça pela janela, no banco de trás. Foi estranho.
Nelly está me chamando para descer. Avisei-a que já estou indo. E vou mesmo.
Pego fôlego e escondo o diário antes de descer.



Glossário:

Pedras salientes: pedras pontiagudas.
Potro: filhote de cavalo.
Rabeca: instrumento semelhante a um violino.
Jane Austen: famosa escritora britânica do século XVIII.

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